Desde cedo, por volta dos meus 10 anos, eu achava que poderia ser cantor.
Participei até de programas de calouros infantis. Na verdade, quase participei, na hora H eu não fui.
Cantei em festivais de música nativista, em rodas ao redor do fogo, em festas de aniversário e tudo mais que alguém com um violão e um pouco de afinação se atreveria a fazer.
Quando comecei com o Nenhum de Nós eu já não tinha mais certeza que poderia cantar, numa banda de rock, quero dizer.
Começamos sem vocalista, trabalhamos com um cantor - o querido Turuga, na banda Vitor Hugo e Os Miseráveis - recomeçamos sozinhos, como trio, e sem um cantor oficial.
Foram muitos ensaios e covers na busca de uma voz que fosse nossa. Um registro que comunicasse nossas ideias.
Na época eu ouvia Iggy Pop, Bauhaus e Bowie até cansar. O que eles tinham em comum? O registro de voz grave.
Uma vez fiz um teste para o coral da UFRGS e fui classificado como baixo profundo.
Então, o que faltava para eu cantar nesse registro? O estalo. O cover certo, e ele veio de outra voz grave. Nelson Gonçalves! A novela era “Cabloca” e a música tema era com ele. Em um ensaio pensamos: e se o Iggy Pop cantasse Cabloca, como seria. Inesperadamente, dessa ideia absurda, nasceu o cantor do Nenhum de Nós.
Em nosso primeiro disco, um critico escreveu que eu imatava Zé Ramalho. Eu não teria nenhum problema em fazer isso, mas ele não podia estar mais enganado.
Recentemente tive uma lesão na garganta e tive que fazer aulas de canto, sessões de fonoaudiologia e começar a cantar todo o repertório do Nenhum meio tom abaixo. O fato é que era um imenso sacrifício (e frustração) alcançar as notas mais altas que eu antes alcançava. Estou a caminho de recuperar isso. Durante esse período mais difícil, o grave estava lá. Seguro, firme e afinado. É minha referência, minha âncora. E tudo por causa de uma novela com a Glória Pires
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Agora entendi um dos porquês do NDN ser referência para mim desde os 80s mas principalmente quando eu adquiri a “voz grave” nos 90s.